(Senhor do Bonfim,
Bahia, 03 de setembro de 2021)
*Josemar Santana
Antes de abordar o assunto que resultou na decisão do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), por julgamento unânime de sua 5ª Turma, vamos
explicar o que significa ESTUPRO DE VULNERÁVEL, nos termos estabelecidos no
art. 217-A do Código Penal Brasileiro, dispositivos a seguir reproduzidos:
“Código Penal Brasileiro
Art. 217-A – Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso
com menor de 14 (catorze) anos (incluído pela Lei 12.015, de 2009)
Pena – reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”. (incluído pela Lei 12,015 de 2009)
No parágrafo (§) 1º a Lei 12.015 de 2009 acrescenta que “incorre
na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.
O parágrafo (§) 2º foi vetado, mas permaneceram os Parágrafos
(§§§) 3º, 4º e 5º, com penas maiores para os casos previstos nos Parágrafos
(§§) 3º e 4º e aplicação das penas previstas no caput e nos Parágrafos (§§) 3º
e 4º. (§ 5º incluído pela Lei 13.718 de 2018).
“§3º Se a conduta resulta lesão corporal de natureza grave.
Pena – reclusão de 10)dez) a 20(vinte) anos.
§4º Se da conduta resulta morte.
Pena – reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.”
Observe-se que o Parágrafo (§) 5º impõe a aplicação de pena
em qualquer situação, mesmo que a vítima tenha consentido com o ato sexual, ou
na hipótese dela (vítima) já ter praticado ato sexual anteriormente ao estupro,
isto é, ao crime.
Vale lembrar que o crime de ESTUPRO DE VULNERÁVEL, tipificado
no art. 217-A do Código Penal Brasileiro passou a ser considerado CRIME
HEDIONJDO, por inclusão do inciso VI, pela Lei 12.015/2009, no art. 1º da Lei
8.072/1990 - Lei de Crimes Hediondos –
cujos delitos não foram definidos conceitualmente na redação da norma, tendo
sido apenas relacionados nos incisos e parágrafos do art. 1º da Lei 8.072/1990.
Se é assim,
pergunta-se: Por
que o STJ afastou em julgamento unânime da sua 5ª Turma, a presunção do crime
de Estupro de Vulnerável, isto é, estupro de vítima menor de 14 (catorze)
anos??
É, como costumo dizer em palestras, a força da palavra “MAS”
(uma conjunção coordenativa, que liga duas orações ou períodos, introduzindo
frase que denota basicamente oposição ou restrição ao que foi dito, tendo como
sinônimos, porém, contudo, entretanto, todavia), que retira do dispositivo
legal a sua natureza absoluta
e impõe em certos casos a relativização.
Ou seja, a Lei está dispondo que devem ser aplicadas as penas previstas no
caput do art. 217-A e nos seus Parágrafos (§§§) 1º, 3º e 4º, “independentemente
do consentimento da vítima, ou do fato de ela ter mantido relações sexuais
anteriormente ao crime”.
“Mas”, considerando que a vítima, mesmo
menor de 14 (catorze) anos (portanto, vulnerável, nos termos da Lei), tinha
consentimento dos pais para namorar rapaz de 20 (vinte anos) e que após relação
sexual consentida pela menor, ela engravidou e foi morar com os pais do rapaz,
formando-se uma família, a natureza
absoluta da Lei para aplicação da penalidade “independentemente do
consentimento da vítima, ou do fato de ela ter mantido relações sexuais
anteriormente ao crime”, perdeu a sua força, dando lugar à natureza relativa do rígido texto da Lei,
como se constata a seguir.
É que o rapaz de 20 (vinte) anos, que engravidou a menor de
14(catorze) anos, nos termos das disposições contidas no art. 217-A e seus
parágrafos, foi condenado em 1ª instância, a cumprir uma pena de 14 (catorze)
anos, tendo sentença confirmada em 2ª instância, mas absolvido pela 5ª Turma do
STJ (3ª instância), que afastou, de forma excepcional, a presunção de
ocorrência de ESTUPRO DE VULNERÁVEL, conforme dispositivos citados.
Essa absolvição do rapaz de 20 (vinte) anos foi considerada
excepcional, porque o próprio STJ “tem tese fixada em recursos repetitivos
segundo a qual o consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual
anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima
não afastam a ocorrência do crime”, como lembra reportagem publicada na
Revista Conjur, de 25 de agosto de 2021.
“Mas”, volto a repetir, a letra dura e fria da lei cedeu
lugar à análise de nuances do caso concreto, no entendimento do Relator, o
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, propondo no seu voto apresentado aos
demais membros da 5ª Turma do STJ, a aplicação de um distinguishing, isto é, de
uma distinção para a tese (afinal, era uma excepcionalidade), porque a
manutenção da condenação do jovem de 20 (vinte) anos, a pena de 14 (catorze)
anos de reclusão em regime fechado, poderia causar injustiças irreparáveis.
Para o ministro relator do caso, “as situações devem ser sopesadas”
(analisadas) de acordo com a sua gravidade concreta e com sua relevância
social, e não apenas pela sua mera submissão ao tipo penal, porque o caso
julgado pela 5ª Turma era de um adolescente que iniciou namoro com menor de 14
(catorze) anos com a permissão e o consentimento dos pais dela e desse
relacionamento nasceu um filho.
De forma consensual eles decidiram morar juntos na casa dos
pais do adolescente, que trabalha para sustentar a família, enquanto a menor
continuou estudante e desejou manter a união com o réu.
O Relator, Ministro Reynaldo Soares, registrou no seu voto
que “a
incidência da norma penal, na presente hipótese, não se revela adequada nem
necessária, além de não ser justa, porquanto sua incidência trará violação
muito mais gravosa de direitos que a conduta que se busca apenar”.
Para o Relator, a disposição absoluta contida na Lei,
buscando proteger a vítima menor de 14 (catorze) anos, impondo uma decisão
condenatória ao adolescente “acabaria por deixar a jovem e o filho de
ambos desamparados não apenas materialmente mas também emocionalmente,
desestruturando a entidade familiar que é, também, protegida
constitucionalmente”.
O Ministro Relator considerou também que a condenação do
adolescente-pai causaria danos a outro bem jurídico protegido pela
Constituição, que é a proteção à primeira infância, já que o filho do casal
seria impedido do convívio com o pai, tudo em desconsideração aos anseios da
vítima e sua dignidade enquanto pessoa humana.
E concluiu o seu voto registrando que a proclamação de uma
censura penal naquele caso seria intervir inadvertidamente na nova unidade
familiar de forma muito mais prejudicial do que se pensa sobre a relevância do
relacionamento e da relação sexual prematura entre a vítima e o réu.
E o “Mas” prevaleceu sobre o absolutismo da Lei, tornando
relativa a sua interpretação num caso concreto.
*Josemar Santana é
jornalista e advogado, especializado em Direito Público, Direito Eleitoral,
Direito Criminal, Procuradoria Jurídica, integrante do Escritório Santana
Advocacia, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba). Site:
www.santanaadv.com / E-mail: josemarsantana@santanaadv.com
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