Maraísa Santana |
Os empréstimos consignados tornaram-se importantes facilitadores de crédito nos últimos anos, no Brasil, porque as instituições financeiras não exigem das pessoas que buscam esse tipo de operação a prova de estarem adimplentes com as suas obrigações financeiras e, consequentemente, a não inclusão de seus nomes em listas de restrições de crédito, a exemplo de ausência nas listas negras do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e Serasa.
A exigência básica é a de ser o contratante (pessoa que necessita do empréstimo) empregado privado ou público, em situação estável, ou aposentado pela previdência nacional, com preferência pelos servidores públicos efetivos e aposentados pela previdência nacional (INSS), porque as datas de seus pagamentos são fixas, o que dá à instituição financeira, absoluta segurança no recebimento das parcelas contratadas, porque já vêm descontadas dos contracheques dos contratantes e são creditadas diretamente nas contas indicadas pelas empresas contratadas (instituições financeiras).
Essa prática, em pouco tempo, tornou-se negócio amplamente vantajoso para as instituições financeiras, porque lhes ampliou o mercado, com inclusão de milhares de pessoas que não tinham acesso a créditos, embalada pela facilitação de crédito e pelo cenário otimista da economia brasileira, fomentando, por outro lado, o grande endividamento do brasileiro, principalmente, através dos cartões de crédito e do cheque especial, meios utilizados largamente por outras faixas da população brasileira, especialmente, integrantes da classe média.
No entanto, o empréstimo consignado ganhou vertiginoso crescimento, estimulando a abertura de inúmeros escritórios e agências de crédito pelo Brasil afora, pela dispensa da exigência da situação regular de crédito da pessoa necessitada de empréstimos, na sua quase totalidade, para pagamento de dívidas e não para investimentos em atividades produtivas, até mesmo, porque não são valores grandes, são fáceis de conseguir e os juros são baixos, diferentemente dos juros cobrados nos cartões de crédito e cheque especial.
O empréstimo consignado tem limitações impostas por lei e a sua inobservância é combatida com rigor pelos Tribunais, tendo como limitação básica o comprometimento máximo de 30% (trinta por cento) da renda bruta do trabalhador, considerando apenas os descontos com previdência e Imposto de Renda, devendo a instituição financeira observar se já existem outros empréstimos que estão comprometendo a renda do trabalhador, para não lhe acarretar dificuldades de sobrevivência, causando desequilíbrio entre as partes contratantes ( tomador e financiador do empréstimo) porque o salário possui natureza alimentar, destinando-se, necessariamente, a sua manutenção e de sua família.
O que se vê, entretanto, é a utilização sucessiva e muitas vezes paralela de empréstimos que comprometem grande parte da renda do trabalhador, ocorrendo situações em que essa renda (salário) ou a pensão do aposentado fica comprometida com esses empréstimos, o que dá direito a essas pessoas buscar junto às financeiras a revisão de seus contratos, porque não foi observado o limite máximo de comprometimento de sua renda ou aposentadoria, fixado em 30% do valor bruto que recebe, admitindo-se, apenas, os descontos com obrigações previdenciária e imposto de renda, porque, existindo outros descontos, são considerados comprometimentos da renda.
Se a instituição financeira não observa o percentual máximo de comprometimento de renda do tomador do empréstimo (fixado em 30%) e faz empréstimo que vai comprometer percentual superior ao máximo fixado, comete ilegalidade, caracterizada como abuso contratual, porque o contrato é de adesão (o tomador do empréstimo aceita as condições impostas pela instituição financeira), apesar de estar sendo observado o princípio do chamado pacta sunt servanda, expressão latina que significa a obrigação das partes contratantes ao que foi combinado entre elas, ou, noutras palavras, “contratou tem que pagar”.
Apesar dessa regra (pacta sunt servanda), há exceções quando surgem fatos, tanto na época da contratação, como depois (supervenientes), que provocam desequilíbrio entre os contratantes, o que permite, em casos dessa ordem, a revisão contratual, considerando-se que o tomador do empréstimo é a parte mais frágil entre os contratantes, e, porque, conforme explicitado anteriormente, é ilegal o desconto superior a 30% (trinta por cento) da renda da pessoa que toma o empréstimo (considerada consumidor para efeitos desses empréstimos), nos termos dos artigos 2º, §2º, inciso I da Lei 10.820/2003, 45 da Lei 8.112/90 e 8º do Decreto Lei 6.386/2008, que vedam essa prática.
Mesmo com as regras apontadas, os Tribunais de 1ª instância e o Superior Tribunal de Justiça entendem que “os empréstimos com desconto em folha de pagamento devem limitar-se a 30% dos vencimentos do trabalhador em razão da natureza alimentar do salário e do princípio da razoabilidade” (REsp. 1.186.965/RS, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 3.2.2011).
Logo, estando presente o desequilíbrio entre os contratantes, quando de sua manifestação de vontade, cabe, nestes casos, a revisão das cláusulas contratuais para não haver desconto superior a 30% da folha de pagamento salarial do trabalhador ou da pensão do aposentado, podendo, inclusive, o contratante (pessoa que toma o empréstimo) requerer judicialmente a suspensão dos descontos de valores que ultrapassem o percentual de 30%.
Se o desequilíbrio ocorrer em consequência de dois ou mais empréstimos, a pessoa pode requerer ao Juiz que determine a suspensão dos empréstimos cujos percentuais ultrapassem os 30% permitidos, ficando com o compromisso de pagamento do empréstimo que foi contratado em primeiro lugar, para continuar pagando os outros, após o término de cada um, sucessivamente.
*Maraísa Santana é advogada especializada em Direito Público e Controle Municipal, integrante do Escritório SANTANA ADVOCACIA, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba).